
Fria e seca era uma manhã de julho. Não demorou muito para que sentisse a leve e úmida textura do canteiro de flores no qual se encontrava deitado. O sol invernal brilhava forte e os carros que passavam buzinavam daquela maneira que só fazem em certos dias despercebidamente mágicos. O cheiro de mato e fumaça inebriavam-no e produziam algo entre êxtase e espanto. Não podia ser real. Primeiro sentou-se, como quem esperasse que, ao fazê-lo, acordaria numa cama fria já com o despertador a massacrar-lhe os ouvidos. Não acordou. Tocou os braços, a face, os cabelos que misteriosamente ressurgiram. De um salto só, pôs-se em pé e dedicou os quatro minutos e vinte e oito segundos seguintes a gritar e rodopiar, enquanto chutava as flores e alguma touceira mais desafiadora que lhe surgisse à frente. Ao fim dos giros, sentiu os músculos cansados, a cabeça um tanto quanto aérea e o peito dolorido pelo ar frio e violentamente inalado. E o coração. Batida a batida quis chorar. E chorou. Aquele lugar, sabia-o bem. Se caminhasse em direção às rotatórias, estaria na casa dela antes que um bolo pudesse ficar pronto. Soou como uma excelente idéia e, por assim ser, iniciou a caminhada como quem saltita ao voltar para casa. Casa. Aqui não havia uma guerra, nem tanques, botinas enlameadas, corpos conhecidos desfigurados e apodrecendo. Não havia a dor de ter sepultado o filho e a noiva, nem a vergonha de ter findado outras vidas. Aqui era antes, quinze anos antes. Aqui ainda se podia mudar o rumo das coisas e fazer ver às pessoas. Aqui eram os vinte e três anos e a segunda chance de buscar o infinito.
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