
Uma das minhas avós teve um derrame cerebral durante meu primeiro ano de faculdade. Coisa terrível essa. Ela ficou com algumas seqüelas, motivo pelo qual está numa cama até hoje. Nos primeiros meses depois do ocorrido, ainda fazia fisioterapia e falava normalmente. Hoje, mal conversa com a gente. Não quer sair de casa porque diz que sente-se cansada. Toma sol por uns minutos quase todos os dias. E é esse o contato dela com o que acontece fora do quarto. No mais, passou os últimos anos deitada, olhando para a parede (TV também faz com que se sinta mal) e ouvindo rádio na estação da missa. As visitas levam os bebês pra ela conhecer, falam do passado, do tempo que faz lá fora. Eu nunca sei bem o que dizer. Queria mesmo era pedir que ela levantasse, e agisse como agia: andar quilômetros pra conversar com as pessoas, visitar os doentes, fazer sabão, matar um frango, plantar umas flores estranhas, lavar o cabelo ao entardecer, abrir aquele sorrisão ao ver meu pai. Meu pai. Meu pai ainda faz com que ela esboce um sorriso. É fantástico. Dos sete filhos, ela só sorri pra ele, o caçula.
Minha vó tem daqueles dias quando não sabe bem em que época estamos. Quer sair da cama (pra desepero das minhas tias, já que a musculatura não dá mais conta do peso do corpo) e falar com fulano. Começa a papear no meio da noite e não pára mais. Dá-me uma vontade incontrolável de abraçá-la e fazer as coisas se endireitarem.
Apesar dos que ainda zelam por ela, a maioria não mais se importa. É doloroso saber que, para alguns, minha vó é um peso. Ela que nunca gostou de depender de ninguém, que ia aonde fosse a pé pra não ter que pedir carona.
Vamos todos ficar velhos, se não morrermos antes disso. Quando indagadas sobre a velhice, as pessoas parecem sempre fazer algum tipo de piada e desviar o assunto. Ninguém gosta de pensar que absolutamente todos os fios de cabelo ficarão brancos, que a pele vai enrugar irremediavelmente, que vai ser difícil locomover-se, que virão as dores e, para muitos, o medo da morte. Mas ainda acredito que o que mais incomoda na velhice é saber que o tempo vai chegando ao fim. Sim, muitos pós-setentistas correm por aí e vivem melhor que os jovens. É um excelente clichê esse. Mais clichê que excelente. Mas chegará um momento em que não vai dar mais. E aí? Aí perceberemos que o tempo acabou e fizemos o que dele? O medo da morte é, na maioria das vezes, medo de passar pelo mundo sem ter feito por merecê-lo. Ou é medo que sejamos tratados como muitos velhos de hoje.
Estas duas últimas são as minhas angústias de todas as noites, às 19:12, mais ou menos.
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